Alexandre Klein
AVISO: Contém spoilers de O apanhador no campo de centeio (J.D. Salinger); Os Instrumentos Mortais — Cidade dos ossos (Cassandra Clare); A esperança (Suzanne Collins) e A culpa é das estrelas (John Green).
Imagine que você está no espaço sideral e que junto de você tem uma zebra falante, no entanto ela só fala em árabe e ambos precisam derrotar uma ervilha maligna que quer destruir Plutão… isso faz mais sentido do que O apanhador no campo de centeio. Calma, vamos lá, não é bem assim totalmente sem sentido. Porém é um livro narrado em primeira pessoa, onde os detalhes, os fatos e os sentimentos são envoltos por apenas uma personagem central: Holden Caulfield. E é isso o que te deixa maluco, sem saber no que acreditar. Porque ele pode ter dito uma coisa, mas pode ser que essa coisa não seja a verdade… Muitos aspectos fazem dessa obra algo maravilhoso, inclusive com o Holden narrando essa sua “partida” da escola que frequentava — o Pencey —. Antes deixe-me situá-los para que não fiquem perdidos aqui.
Holden Caulfield tem três irmãos — um deles já falecido —, o D.B. e a Phoebe, ele é o irmão do meio com dezessete anos, mesmo aparentando ter treze anos no começo do livro. Não é um aluno bom ou inteligente, porque, na realidade, ele se importa com pouquíssimas coisas. A escola não é uma delas. Reprovado em quatro de cinco matérias, ele decide parar de estudar ao mesmo tempo em que é expulso do colégio. Seus pais não podem saber disso antes que ele conte, então decide perambular pelas ruas de Nova York durante dois dias.
E como esses dois dias renderam.
Nunca tinha lido algo tão confuso e perturbador, mas ao mesmo tempo incrivelmente adorável. É fantástico! Me perdi junto das histórias do Holden e me envolvi com seus pensamentos. Uma professora me disse que o que J.D. Salinger (o autor) queria com o livro era retratar a mente de um adolescente deslocado e com problemas. Uma tarefa praticamente impossível de ser feita com sucesso.
Mas Salinger conseguiu! Ele mostrou exatamente as coisas que nos deixam alegre, aquelas que nos fazem chorar, rir, ficar bravo e confuso. Eu mesmo me identifiquei muito com o Holden, para dizer a verdade. E por falar em Holden… ele é a personagem mais incrível que eu pude conhecer. Porque em uma hora ele parece esquizofrênico — quando em todos os momentos que conversa com seu irmão morto, o Allie, e o imagina como se ainda tivesse vida —, e em outros momentos ele é simplesmente bipolar — nas horas em que passa de raivoso e começa a chorar, mas depois já está rindo de novo de uma história do passado — e, o mais importante, parece abalado emocionalmente. Porque, na verdade, ele está. É uma sensação ótima saber que há oitenta anos atrás, mais ou menos, existiam jovens com os mesmos problemas que os de agora. Todo o momento em que eu voltava a ler, eu sentia o Holden bem perto de mim — para não dizer que eu me sentia como sendo ele. O livro teve muita influência sobre mim, porque depois de conhecer o Holden (sim, nós somos muito amigos) eu adotei alguns aspectos dele. Como, por exemplo, o fato de não se importar com ninguém ou com nada. A partir do momento em que eu terminei de ler o livro, quase tudo se tornou irrelevante para mim e eu soube o que realmente ter como prioridade. O livro causa esse efeito e, acredite, não se importar é uma sensação ótima. Quanto ao tempo; parece que se passa em uma eternidade. Mas o que você julga se passar em uma semana, ou coisa parecida, acontece em dois dias. Se você não prestar atenção nas marcas do tempo você se perde entre o presente e o passado, e isso faz com que a história pareça durar mais. Esse foi outro ponto que Salinger usou com maestria.
Os personagens, não só o Holden, são construídos todos com muita perfeição e particularidade. Como se nós — os leitores — soubéssemos a história de cada um deles, mas o Holden não sabe. O Ackley, um colega de quarto dele, é legal em certos aspectos e entendemos que ele só precisa de atenção. A Phoebe, a irmã mais nova dele, é uma graça. A criança mais inteligente e espontânea do mundo, não só na percepção do próprio Holden, como na minha também. No entanto, uma coisa que me chocou foi o fato de saber que ela fumava e que provavelmente ela não era a única criança a fazer isso naquela época. Eu não estava preparado para essa “adultização”. Mas quanto ao fim… não sei o que dizer. Faz mais de um mês que eu o li e ainda não sei falar sobre o final. Foi a coisa mais repentina que eu já li. Tínhamos toda a história, onde acompanhamos o Holden, mas temos a falta de um objetivo e de uma reviravolta, porque eu estava acostumado com livros assim, no qual a história era introduzida, havia uma problemática, acontecia a reviravolta e acabava lindamente. Mas O apanhador no campo de centeio veio como um choque de realidade, do tipo “olha como eu sou diferente… sou original” e isso é verdade. E conforme as páginas vão se esgotando, você vai se perguntando “tá, cadê a parte mais emocionante?” e, já vou adiantando, ela não existe. Mas, espera, isso não quer dizer que o livro não seja bom. Ele é, e até demais. Mas se você está procurando algo como descobrir que o Jace e a Clary são irmãos, ou que a Prim morre, desculpe, mas você não vai encontrar isso. Um aviso bom para aqueles que gostariam de ler Uma aflição imperial de A culpa é das estrelas (John Green), pois é muito perceptível a ligação que John Green estabeleceu entre Van Houten – J. D. Salinger e O apanhador no campo de centeio – Uma aflição imperial. Ambos autores (Van Houten e Salinger) se exilaram depois de lançar seu único livro, é quase como se Van Houten fosse o Salinger do século XXI. Leiam, porque realmente vale a pena. O fim… vamos lá, eu estou enrolando pra falar, mas o fim é apenas isso. O fim.
Como se o autor tivesse se cansado de escrever e falou “vai ficar assim mesmo” e mandou para publicar. O fim é só o fim. Sem nada dramático ou filosófico, simplesmente acaba. E, entretanto, é maravilhoso. Porque o simples fato de acabar mostra como realmente a vida é assim, chata, entediante e sem nada de muito surpreendente ou maravilhoso. Não vivemos num conto de fadas, e não vivemos num mundo onde o fim é “e viveram felizes para sempre”. Mas sim, presenciamos o mundo onde os discos de vinil se quebram no Central Park, onde as crianças fumam, onde prostitutas têm quase sempre uma história por trás, onde não podemos sair dos padrões. E o Holden ao mesmo tempo em que segue essa “doutrina” ele a quebra.
Então vamos às considerações finais (FINALMENTE). Pode até ter parecido que eu falei muito, mas, na verdade, não. O livro tem um pouco mais de duzentas páginas e eu só contei a história por cima. Deixando de lado a metáfora mais linda e mais misteriosa que eu percebi, a do abismo. É como se a vida adulta fosse um abismo sem chances de volta, uma queda tremenda, onde nos prendemos à tantas responsabilidades sem volta e sem gosto. E o Holden não quer passar por isso, mas é algo que todo mundo se insere por mais teimoso e persistente que seja. É uma etapa da vida, tanto quanto a morte. Sem falar nas mais variadas gírias que me divertiram e me capturaram, como “pomba”, “puxa” e todas as vezes que ele “fica deprimido”. E é ainda mais incrível presenciar uma realidade de alguns anos atrás, onde onze horas já era considerado tarde, onde uma criança fumar seria “normal” e onde as músicas eram tão mais… rígidas? O apanhador no campo de centeio era o que o Holden gostaria de ser, salvar as crianças que estivessem prestes a cair de um penhasco como um grande salvador da pátria e eu vi nesse sonho uma pontada dele querer ser um “herói”, ou ao menos ser perceptível dentre os outros, porque é isso o que nós queremos. Atenção. Queremos ser notados pelo que fizemos e pelo que viremos a fazer. Isso me fez entender quem e o que o Holden era… ele só queria que as pessoas soubessem que ele existia, mesmo que não admitisse isso para si mesmo. Então, meu caro Holden Caulfield, saiba que a sua história já criou dois assassinos, uma revolução no setor literário e mais de 60 milhões de cópias vendidas.
Se essa era a sua missão, ser notado, meus parabéns. Tu conseguiu.
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