As horas se arrastam enquanto ele se lamenta, não
há nada a fazer antes da hora do almoço, pois mesmo para jogar com os
desempregados e aposentados no bar, ele deve esperar o bar abrir. Por isso espera
sempre a D Guilhermina chamar a todos para tomar café, levar o seu único bem,
Stephaie, para a escola e voltar para o bar.
Toc Toc,
bate D Guilhermina.
- Já estou indo. – lamenta-se o homem.
Ele se levanta devagar, cansado, sem vontade,
olha-se no espelho enquanto se veste e não se reconhece, suas roupas não
condizem com sua realidade interior, sua vida não condiz com o que ele sabia
dela. Ele vai e vê a filha comendo, com aquela carinha que já foi meiga
transmutada em um ser que ele não reconhecia. Mas pudera, a culpa deveria ser
dele mesmo. Não tinha como voltar atrás.
Logo ela vai gritar com ele por causa de alguma
coisa fútil e reclamar que tem que ir para a escola pública. Ah! Sua filha na
escola pública, que vergonha... Ele se sentia o resto do fim do mundo, depois
que nem o fim mais quer findar. Como esperado a garota rosna para ele levá-la
para a escola. O caminho é árduo, uma ladeira infinita e infeliz, que o faz
suar como um porco gordo, e olha que ele está no peso ideal, foi o que o médico
do AMA disse para ele.
Ele só consegue enxergar o lugar em que passou a
viver como o túmulo de dignidade. Por isso esse lugar não o revoltava, ele
tinha, na verdade, um respeito enorme por aquele lugar sem dono, sem seres
humanos, só um bando de alienados. Ele respeitava com o silencio fúnebre do
túmulo e de quem está em luto.
Na volta ele vestia um sorriso para dirigir-se ao
bar, ele tinha condição de fazer apostas baixas, e aquilo já era o suficiente
para parecer que ele estava vivo. Ele sabia que aquilo não era certo. Deixou de
procurar emprego todo dia, não achava nada. Então para não ficar em casa e ter
todos olhando para ele, ele se disfarçava de desempregado no meio dos
desempregados, mas ele era outra coisa. Era um falido.
Todos eram do mesmo jeito. Todos com problemas,
cada um com o seu.
Na mesa havia cinco homens, todos acima dos trinta
anos, Carlos era o mais jovem com seus trinta e cinco anos. O mais velho era o
Sr. João, ele era aposentado por invalidez, tinha um defeito na perna que
adquiriu trabalhando em construção civil. Era
pedreiro dos chiques, como ele contaria, que trabalham para empresas
grandes. Ele tinha um salário mínimo e aposentara-se havia mais de dezoito
anos. Ele parecia ter seus 68. Já o outro aposentado era novo na área como tal,
ele tinha apenas um ano de aposentadoria, recebia uns dois salários mínimos, o
que lhe dava uma melhor chance de apostar alto, ele se chamava Severino e tinha
sessenta e seis anos. O outro que era desempregado, além de Carlos e Bigode,
era o Ricardo. Eles três tinham filhos adolescentes e a mulher estava
resolvendo tudo, uma era doméstica, outra era recepcionista em um hotel e a
dele, é claro, não poderia estar em outro lugar que não como caixa de um
mercado.
A conversa era animada, para contrastar com as
realidades ali vividas. O jogo já tinha começado antes de estarmos a descrever
cada um.
- Vai Carlos, qual é a sua aposta? – Ricardo
pergunta.
- Vocês sabem que estou sem dinheiro, vou na menor.
- Não se preocupe, você nunca ganha mesmo, aposte o
menor valor! – riram-se todos, inclusive Carlos, que sabia que aquilo era a
maior dura verdade.
- Trucoooooooooooooo. – Grita o velho João.
- Ah seu velhaco, está roubando.
Todos estão muito animados, fora da verdade, fora
da vida, fora de tudo que não fosse aquele jogo. A tarde se esvai assim até que
ele precisa ir buscar Stephanie. Aí a realidade volta a doer. Ou aquele
pesadelo a atormentar.
Em casa ele passa a esperar a mulher que sempre
está fazendo oras extras para poder incrementar o salário de miséria e hoje ele
teve uma surpresa. O telefone tocou, eram oito horas da noite:
- Alô.
- Oi amor! A cesta básica já está aqui para
retirar! Você precisa me ajudar a levar de ônibus. Venha que eu saio em menos
de meia hora. – Solange estava animada como quem não tivesse problemas... ou
soubesse como lidar com eles.
- Estou indo agora mesmo. Só vou avisar a menina.
- Te amo, beijos!
- Stephanie! Venha cá, meu bem!
A garota no quarto ouve e finge que não é com ela,
ainda estava brava com ele devido ao cartão de crédito. Ela tentava fazê-lo se
sentir culpado. Mas se não era...
- Stephanie, amor, venha aqui!- disse novamente, já
se dirigindo ao quarto dela. Bate à porta e a abre delicadamente. Ela estava na
cama com a agenda e a caneta na mão.
- Não está me ouvindo?
- Estou!
- O que há com você menina! Estou saindo, vou
buscar a cesta básica com a sua madrasta.
- O que é uma cesta básica?- ladra a garota
desconfiada.
- É uma ajuda do mercado, tem muito lugar que dá
para os funcionários, eu dava lá nos meus. Vêm comida e produtos de limpeza.
Vai vir umas bolachas para vc.
- Bolacha? Então é esmola? E eu achando que ir para
o Brás quando sobrasse dinheiro seria o fim do mundo!
Carlos sai desanimado e deixa a garota se
lamentando sozinha, pois ia atrasar-se.
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