Lei de direitos autorais

LDA - Lei nº 9.610 de 19 de Fevereiro de 1998

Artigo 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

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18 de out. de 2013

Stephanie - Capítulo 12: O túmulo de Carlos

Carlos acorda junto a Solange, que deve sair para trabalhar. Ele sempre acorda, mas nunca deixa que ela saiba, pois faz de tudo para que ele não acorde. Sempre que ela sai ele fica na cama, nunca consegue voltar a dormir. Ele não está acostumado com essa vida ociosa. Ele não está acostumado a ter uma mulher que o sustente. Sempre resolveu tudo em sua casa, agora ele não tem nem casa.
As horas se arrastam enquanto ele se lamenta, não há nada a fazer antes da hora do almoço, pois mesmo para jogar com os desempregados e aposentados no bar, ele deve esperar o bar abrir. Por isso espera sempre a D Guilhermina chamar a todos para tomar café, levar o seu único bem, Stephaie, para a escola e voltar para o bar.

Toc Toc, bate D Guilhermina.

- Já estou indo. – lamenta-se o homem.

Ele se levanta devagar, cansado, sem vontade, olha-se no espelho enquanto se veste e não se reconhece, suas roupas não condizem com sua realidade interior, sua vida não condiz com o que ele sabia dela. Ele vai e vê a filha comendo, com aquela carinha que já foi meiga transmutada em um ser que ele não reconhecia. Mas pudera, a culpa deveria ser dele mesmo. Não tinha como voltar atrás.

Logo ela vai gritar com ele por causa de alguma coisa fútil e reclamar que tem que ir para a escola pública. Ah! Sua filha na escola pública, que vergonha... Ele se sentia o resto do fim do mundo, depois que nem o fim mais quer findar. Como esperado a garota rosna para ele levá-la para a escola. O caminho é árduo, uma ladeira infinita e infeliz, que o faz suar como um porco gordo, e olha que ele está no peso ideal, foi o que o médico do AMA disse para ele.

Ele só consegue enxergar o lugar em que passou a viver como o túmulo de dignidade. Por isso esse lugar não o revoltava, ele tinha, na verdade, um respeito enorme por aquele lugar sem dono, sem seres humanos, só um bando de alienados. Ele respeitava com o silencio fúnebre do túmulo e de quem está em luto.

Na volta ele vestia um sorriso para dirigir-se ao bar, ele tinha condição de fazer apostas baixas, e aquilo já era o suficiente para parecer que ele estava vivo. Ele sabia que aquilo não era certo. Deixou de procurar emprego todo dia, não achava nada. Então para não ficar em casa e ter todos olhando para ele, ele se disfarçava de desempregado no meio dos desempregados, mas ele era outra coisa. Era um falido.

Todos eram do mesmo jeito. Todos com problemas, cada um com o seu.

Na mesa havia cinco homens, todos acima dos trinta anos, Carlos era o mais jovem com seus trinta e cinco anos. O mais velho era o Sr. João, ele era aposentado por invalidez, tinha um defeito na perna que adquiriu trabalhando em construção civil. Era pedreiro dos chiques, como ele contaria, que trabalham para empresas grandes. Ele tinha um salário mínimo e aposentara-se havia mais de dezoito anos. Ele parecia ter seus 68. Já o outro aposentado era novo na área como tal, ele tinha apenas um ano de aposentadoria, recebia uns dois salários mínimos, o que lhe dava uma melhor chance de apostar alto, ele se chamava Severino e tinha sessenta e seis anos. O outro que era desempregado, além de Carlos e Bigode, era o Ricardo. Eles três tinham filhos adolescentes e a mulher estava resolvendo tudo, uma era doméstica, outra era recepcionista em um hotel e a dele, é claro, não poderia estar em outro lugar que não como caixa de um mercado.

A conversa era animada, para contrastar com as realidades ali vividas. O jogo já tinha começado antes de estarmos a descrever cada um.

- Vai Carlos, qual é a sua aposta? – Ricardo pergunta.

- Vocês sabem que estou sem dinheiro, vou na menor.

- Não se preocupe, você nunca ganha mesmo, aposte o menor valor! – riram-se todos, inclusive Carlos, que sabia que aquilo era a maior dura verdade.

- Trucoooooooooooooo. – Grita o velho João.

- Ah seu velhaco, está roubando.

Todos estão muito animados, fora da verdade, fora da vida, fora de tudo que não fosse aquele jogo. A tarde se esvai assim até que ele precisa ir buscar Stephanie. Aí a realidade volta a doer. Ou aquele pesadelo a atormentar.

Em casa ele passa a esperar a mulher que sempre está fazendo oras extras para poder incrementar o salário de miséria e hoje ele teve uma surpresa. O telefone tocou, eram oito horas da noite:

- Alô.

- Oi amor! A cesta básica já está aqui para retirar! Você precisa me ajudar a levar de ônibus. Venha que eu saio em menos de meia hora. – Solange estava animada como quem não tivesse problemas... ou soubesse como lidar com eles.

- Estou indo agora mesmo. Só vou avisar a menina.

- Te amo, beijos!

- Stephanie! Venha cá, meu bem!

A garota no quarto ouve e finge que não é com ela, ainda estava brava com ele devido ao cartão de crédito. Ela tentava fazê-lo se sentir culpado. Mas se não era...

- Stephanie, amor, venha aqui!- disse novamente, já se dirigindo ao quarto dela. Bate à porta e a abre delicadamente. Ela estava na cama com a agenda e a caneta na mão.

- Não está me ouvindo?

- Estou!

- O que há com você menina! Estou saindo, vou buscar a cesta básica com a sua madrasta.

- O que é uma cesta básica?- ladra a garota desconfiada.

- É uma ajuda do mercado, tem muito lugar que dá para os funcionários, eu dava lá nos meus. Vêm comida e produtos de limpeza. Vai vir umas bolachas para vc.

- Bolacha? Então é esmola? E eu achando que ir para o Brás quando sobrasse dinheiro seria o fim do mundo!

Carlos sai desanimado e deixa a garota se lamentando sozinha, pois ia atrasar-se.

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